quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A sábia e a estragada

E a figura da estragada volta a aparecer.... no ônibus, como sempre e é claro. Mas veio acompanhada de uma outra figura: a sábia.

Estava eu, divina e graciosa a caminho do meu pedido de habeas corpus, num desses "Largo da Pólvora" da vida. Sentei-me sozinha, no banco atrás do motorista - pra não ser vítima de suas inabilidades e porque era o único lugar vago antes da catraca -, para ter tempo o suficiente de pegar integração na volta.

Uma senhorinha fez-se notar no banco do outro lado do corredor, quando uma outra senhora -enorme e com a dentadura saliente -, ao subir, fez uma voz de choro e disse:

- Aaaaah, posso sentar aí?? É que nesse banco do lado da porta eu posso apoiar minhas peeeeernas...

- É claro que pode... por favor.

- Obrigaaaaada, viu? Deus te abençooooe.

Essa primeira senhora veio sentar-se ao meu lado e sorriu...

- Eu tenho certeza que sou mais velha que ela!

Retribui o sorriso.

- Ahnnn... mas ela tem um problema na perna, eu acho...

- É, tem razão... sabe, minha filha, eu acho que nós mulheres temos "complexo de camelo". Olha essas sacolas aqui. Tenho 86 anos e carrego mais sacolas do que poderia...

Eu pensei comigo: "Ok. Ela tem razão...", mas transferi rapidamente o seu exemplo para algo completamente idiota que estava passando pela minha cabeça... "complexo de camelo? Hmmm... a gente carrega sempre mais do que poderia... e ama mais do que deveria ou poderia suportar....". Pronto, num segundo a velhinha me fez esquecer das malditas sacolas que carregava e me ajudou a lembrar de coisas que eu queria - quero - esquecer.

"Poderia jogá-la com sacolas e tudo pela janela."

Do nada, no meio da divagação acerca do meu amor irracional e sabidamente impossível, observei o comportamento estranho da mulher loira e gorda que havia sentado no banco da velhinha das sacolas. Ela estava abrindo uma caixa de panetone, tentando ser discreta, mas eu percebi rapidamente seus movimentos e tentei ver pelo canto dos olhos o que ela realmente faria.

"Ela não vai comer um PANETONE dentro do busão, vai? Vai? Caralho. Ela vai..."

Daí a mulher continuou abrindo "delicadamente" a embalagem, olhava para um lado, para o outro... tirou o saco do panetone de dentro da caixa... começou a desenrolar o araminho... num súbito, a porra da doida me joga a CAIXA do panetone pela janela. No meio da Teodoro Sampaio!!

Óbvio: uma mulher na rua xingou, a mulher atrás de mim esbravejou e a senhorinha ao meu lado

- Meu Deus, que horror!! Gente... por que fazer isso?? A cidade é de todos! Que absurdo... depois que tudo alaga ninguém sabe de onde veio o lixo!

Eu não consegui ter outra reação a não ser dar risada. Porque a infeliz da mulher continuou sua cena de devoradora de panetones sem nem tomar conhecimento do quanto estava sendo xingada! Ela simplesmente abriu o saco, arrancou um pedaço de panetone do tamanho de uma bola de basquete e enfiou tudo na boca. E comia dos lados, porque a dentadura estava meio solta, eu acho...

Foi uma sequência de cenas bizarras. Foi A treva. Foi UÓ do borogodó!

Saciado o desejo pelo bolo cheio de coisas estranhas, a mulher deu de ombros e guardou a única prova do crime de volta no saquinho. Uma uva passa.

Nisso, a doninha de 86 anos tendo praticamente um acidente vascular cerebral do meu lado, dizendo que morou 7645 séculos nos EUA e que lá ninguém jogava lixo no chão. Nem uma migalhinha de pão...

Ela me disse que apesar de tudo ainda tinha esperanças. No ser humano. Ao ouvir isso eu tremi de dor novamente... lembrei de uma conversa recente: "não, eu não acredito em ninguém", foi o que eu dissera à pessoa. Repeti a frase pra senhorinha e ela retorceu o nariz.

- Minha filha... você tem 24 anos e já perdeu as esperanças no ser humano? Se você perdeu as esperanças neles, perdeu em você também! Você É um SER humano... e ao perder as esperanças na gente mesmo, bom... não sobra mais nada...

Eu quase quis concordar com ela. Mas achei que a chocaria desnecessariamente com as minhas delongas acerca desses assuntos meus. Eu tive é que me segurar pra não irromper num choro dolorido e também desnecessário.

Ela tinha razão sim, "não sobra mais nada"...

No fim, as duas - sábia e estragada - desceram juntas no primeiro ponto da Paulista. E eu segui meu caminho até aquele lugar de onde só saí com um "sim, você está de férias".



2 comentários:

Paulo Albanez disse...

e ela tirou um pedaço do tamanho de uma bola de basquete... e comia pelos lados...
foi muito hilário ha ha ha.

Muito bom texto viu! Coisas do dia a dia de uma pessoa observadora.

DJ Felipe Menezes (jahvann) disse...

" "Ela não vai comer um PANETONE dentro do busão, vai? Vai? Caralho. Ela vai..." "

" 'Caralho. Ela vai...' " ahuahuahuahu rachei Diva... muito bom.. to dando inicio à um novo blog... mas ando sem imaginação pra escrever...

fica com Deus =D

=**